Foco no social e combate ao preconceito de gênero

O dia 26 de fevereiro foi mais do que especial para a magistrada Renata Nóbrega, não por ter sido promovida a juíza titular neste dia – em 2024 –, mas por ser o aniversário do seu xodó, a filhota Beatriz, ou Bia, como carinhosamente é chamada. Mais um fato inusitado na vida dela, que se soma a diversos outros em sua trajetória profissional. Atualmente convocada para atuar como Auxiliar da Corregedoria do TRT6, tem muita história para contar, tendo percorrido caminhos diversos até chegar à Justiça do Trabalho (2007), abrindo espaço para novas pautas no Judiciário.

Graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (2003), a juíza Renata Nóbrega é também doutoranda em História pela UFPE e ingressou no serviço público como agente de polícia civil em Pernambuco (2000/2003), foi delegada da polícia civil na Paraíba e servidora do TRF5 (2005/2007). Uma trajetória múltipla, com espaço para uma atuação que vai além: a defesa do enfrentamento ao preconceito e à discriminação das pessoas LGBTQIAPN+, uma pauta que garantiu avanços históricos, como a criação da Comissão de Gênero e Diversidade da AMATRA VI e sua recente indicação para compor o Fórum Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas LGBTQIAP+no CNJ.

Confira aqui a entrevista:

 Isto Posto (IP) - O que a levou ingressar na JT?

 Renata Nóbrega (Renata) – A minha chegada à JT foi fruto de um feliz inusitado. Trabalhava no TRF5, no gabinete do Desembargador Petrúcio Ferreira, que sempre estimulava todas as pessoas a estudarem e, por coincidência, muitas ali estudavam para a área trabalhista, área cuja familiaridade que eu tinha era zero! Pensava em seguir os estudos na área criminal e, em especial, pensava em voltar a atuar na polícia, mas ele teimava em dizer que eu tinha vocação para estudo e que com essa vocação eu deveria expandir as possibilidades.

Das nossas conversas, uma coisa é certa, percebi que o que me atraia no trabalho que desempenhei nas polícias por onde passei era mais a demanda social do que a policial. Atuei preponderantemente com mulheres, crianças e adolescentes vítimas de violência e toda a rede de atendimento e suporte que guarda relação com essas pessoas.

Diante disso, as pessoas do gabinete começaram a me incentivar a estudar para área trabalhista, pois percebiam nessas nossas conversas que talvez eu encontrasse a demanda social da qual eu falava justamente no sistema de justiça próprio e vocacionado a concretizar direitos sociais. Elas me imaginavam no Ministério Público do Trabalho, já que eu sempre dizia que jamais faria concurso de Magistratura.

IP – Mas, então, como surgiu a Magistratura?

Renata – Eu me inscrevi no concurso do MPT e, no dia da prova da primeira fase, reencontrei amigas queridas e que me convenceram de que eu deveria me inscrever para a Magistratura do TRT6: o edital estava aberto, a matéria era a mesma do MPT e eu aproveitaria para continuar estudando para o MPT. Aí veio a surpresa: no MPT não passei nem na primeira fase e no outro fui passando em todas as etapas.

Ao longo dessas fases, importante falar, encontrei apoios indispensáveis, especialmente ensinando particularidades do direito do trabalho e do processo do trabalho que eu não fazia a menor ideia e tive que ir aprendendo a cada fase do concurso – de um mês para o outro, a exemplo da saudosa juíza e amiga Lúcia Teixeira da Costa Oliveira e do também saudoso juiz Bartolomeu Alves Bezerra.

IP - De que forma suas experiências profissionais anteriores contribuíram com a atuação na Magistratura?

Renata – A trajetória e mesmo o modo como se deu meu ingresso na JT agregaram experiências que considero indispensáveis no exercício das minhas funções como juíza, na medida em que desde cedo estive em ambientes de prestação de serviços públicos cujo propósito era mediar e resolver da melhor forma conflitos entre pessoas, seja na gestão interna, seja nas demandas das pessoas que procuravam aqueles serviços.

Apesar de entender importante a especialização nas atividades para um melhor conhecimento denso das matérias trabalhistas, percebi que ter tido uma trajetória generalista e plural me deu possibilidades mais amplas de analisar problemas e pensar soluções e gosto disso. Eu me sinto bem em poder servir dessa forma!

IP – Essa trajetória profissional ampla dá uma perspectiva diferente sobre o futuro da JT?

Renata – Quando olhamos a história da JT, ela não nasce no Judiciário e ela me parece fruto de uma disputa clássica entre o capital e o trabalho nas suas mais variadas formas, chegando ao Estado como tentativa de controle, mas tornando-se um espaço de grande potencial de tutela de direitos. Dito de outro modo, é preciso saber que se no futuro não existirmos – o que não acredito que acontecerá – é porque estávamos concretizando os direitos sociais para o que essa Justiça foi vocacionada, seja por princípio, seja por prática.

IP – Atualmente atuando na Corregedoria, qual o principal desafio que enfrenta?

Renata –Diria que são justamente os de entender que concretizar direitos sociais não é algo principiológico e restrito ao que se diz em uma decisão. As sentenças e decisões em geral são extremamente importantes ao dizer os direitos, mas se a política pública do Poder Judiciário não for observada, ou seja, se não observarmos a efetiva entrega do bem deferido nas decisões em tempo oportuno, não se consegue concretizar direito social.

Então se historicamente a Corregedoria é percebida como lugar de corrigir,  a experiência ao mesmo tempo desafiadora e instigante é fazer parte de uma gestão que prima pela visão macro da atuação da base – juízas e juízes, servidoras e servidores – e está sempre disposta a se integrar e ajudar na realização do mister dessa base que é quem garante o nosso retrato para a sociedade.

IP – Além do Direito, a História também tem espaço na sua vida? Por que História?

Renata – Sobre a História,  quero dizer que sempre instalo retrovisores, tanto assim que mencionei a Justiça do Trabalho a partir da visão histórica, não porque acredite que aprendo com o passado e erro menos no presente para construir um futuro. É apenas porque com a história, olhando para trás, vejo o presente como algo possível de existir – o retrovisor me dá compreensão do presente e me permite algumas ilações para futuros possíveis. São esses os porquês de continuar estudando História… e agora com ênfase em História Ambiental, mas esta é uma outra História!!!!

IP – Tem tempo para hobbies? Quais?

Renata – Bom, fazendo tudo isso e ainda sendo a “Mainha” de Bia, deixarei para dormir quando morrer e, com isso, sobra algum tempo para hobbies sim. O mais atual é correr, mas são vários ao longo da vida, são mais ideias fixas de longo prazo do que hobbies: correr, pedalar, fotografar, mergulhar etc.

IP – Como uma das criadoras da primeira Comissão de Gênero e Diversidade da Amatra VI, qual a importância de estimular o debate e ações sobre o tema?

Renata – Como mencionei antes, tornando-me a “Mainha” de Bia, que tem duas mães, integrar a comunidade LGBTQIAPN+ me levou a assumiu um lugar de destaque no protagonismo pela diversidade em uma sociedade ainda muito machista e preconceituosa.

Acredito que esse deveria ser um propósito de todas as pessoas e sempre seria o meu, mas ter uma filha que tem duas mães e que, além disso, é mulher, faz com que eu não tenha permanecido nos pensamentos sobre a temática: isso me levou à ação.

IP – Como isso efetivamente se deu?

Renata – O primeiro espaço que prontamente encampou essa causa e escreveu junto comigo essa história foi a Amatra VI, quando na gestão da Presidente Laura Botelho, com a então Diretora de Direitos Humanos Ana Cristina, permaneceu junta e ativa na criação da Comissão de Gênero e Diversidade da Associação. A temática além de importantíssima na perspectiva social de criação de um mundo melhor e mais inclusivo, na minha trajetória pessoal implica atuar para ajudar a construir esse mundo para e com Beatriz, que, como diz a música – composição de Chico Buarque, que inspirou seu nome – “me ensina a não andar com os pés no chão”!